Lugar_RSI

AvatarLugar do Real, do Simbólico e do Imaginário
Aqui não se fala dos conceitos de Lacan e a palavra lugar deve ser pensada em sua definição matemática

A vingança, a bela e a fera ou, eu quero gozar a vida com você


Eu já tinha reparado nisso, uma fera sempre dá um jeito de colar numa bela. Quem sabe o repasto recusado pela bela não sobra para a fera?

Essa é uma história da vida real, então estou preocupado agora, antes de colocar aquela legenda que aparece em filmes: "qualquer semelhança com personagens da vida real é mera coincidência", em conseguir um nome que não cause suscetibilidades na fera. Fica sendo Hermengarda.

Aconteceu comigo. Uma das piadas da época era dizer para alguém: - Existe no clube uma garota que é apaixonada por você... É a Hermengarda.
Quem a conhecesse entendia logo que era gozação, caso contrário, ficava curioso.

O truque de andar com belas moças com a finalidade de arranjar um namorado não funcionou para a Hermengarda. A última vez que soube dela foi quando a vi num programa chamado Casamento na TV, apresentado por Raul Longras.

Toda gente sabe, um bêbado percorre três fases em sua carraspana. Começa como um macaco, alegre, rindo muito, contando piadas, fazendo gozações; prossegue como um leão, raivoso, valente e, do nada, pega uma briga com outro bêbado ou mesmo com pessoas sóbrias. A comédia termina na fase do porco quando, se houver tempo, a criatura corre ao banheiro para eliminar via oral o que seu pobre fígado não pôde resolver.

Naquela noite, no baile realizado na quadra do clube, eu já tinha visto a Hermengarda com uma cigana muito bonita. De repente começou a briga. Acho que oitenta por cento dos homens estavam alcoolizados, inclusive eu. Mas não bebi o juízo. Os leões estavam soltos e um dos seus alvos era, imaginem, o pai da cigana, que estava apavorada e pedia que alguém o acudisse. Entrei naquela confusão, onde todo mundo se empurrava e ninguém entendia direito o que estava acontecendo. Briga de bêbado é uma merda. Mas aos poucos os ânimos foram serenando; talvez para alguns se avizinhasse já a fase do porco.

A cigana estava praticamente aos prantos mas eu a acalmei dizendo que tudo estava solucionado. E ficamos por ali conversando amenidades. Quando notei que a situação estava tranquila comecei a dizer que a achava muito atraente e que queria ter um tempo para conversar melhor, enfim, levei aquele (*)leriado que todo conquistador usa e toda musa já teve que aturar. Mas ela me cortou rápido. Disse que vinha de um relacionamento conturbado, onde tinha sido desprezada e humilhada, e estava querendo se vingar, fazer sofrer o próximo pretendente. Era amiga de uma das minhas irmãs, por isso ia livrar minha cara.

Jamais pensei se realmente ela estava sendo generosa com o irmão de uma de suas amigas ou se era um atalho rápido para detonar pessoas desinteressantes. O certo é que a vi afastar-se conversando animadamente com a Hermengarda.

Pode alguém perguntar: que tem a ver com a história a parte do título que diz "eu quero gozar a vida com você"? Bem, é uma música de duplo sentido que tem uma letra muito pobre, mas poderia ter sido um hit de sucesso se a cigana tivesse acedido aos meus preitos...

(*)leriado - esse é um termo usado no nordeste, sem dúvida nenhuma relativo à palavra "léria".

As ilusões perdidas, os enganos renovados


Naquela manhã de Natal acordei contrariado. No lado direito da cama, sobre o travesseiro, havia um embrulho no formato de um livro, e eu queria ganhar um revólver. Fazer o quê? Comecei a abrir o pacote para ver o que "o bom velhinho" me reservara. Era um revólver. Parecia de verdade. Vinha com uma serpentina de espoletas, munição que quase esgotei no primeiro dia. A criançada começava a correr apavorada quando eu acionava o gatilho.

Veio o carnaval e a mãe, saudosa mãe, completou minha alegria. Como excelente costureira que era, fez uma calça cáqui, uma camisa xadrez e comprou um chapéu a caráter. Estava pronta minha fantasia de cowboy.

Honoré de Balzac escreveu As Ilusões Perdidas. A ilusão do Papai Noel toda criança sempre perde. Quando ganhei o revólver eu sabia que já não era com o barbudo. Antes de prosseguir é preciso colocar um foco nesse meu desejo de ter um revólver. Eu já ia ao cinema, os filmes americanos predominavam. John Wayne, Roy Rogers, o Zorro, etc, filmes de inegável violência. Mas eu sabia discernir o que era filme, o que era vida real e, principalmente, o que era certo, o que era errado. Um revólver, para mim, era apenas um brinquedo. Se não me engano corre por aí a opinião de que devem ser abolidos os brinquedos que suscitem violência, como os revólveres de brinquedo.

E se Balzac escrevesse Os Enganos Renovados? Na minha caixa de correio um amigo fala sobre o PCB. Ele gosta também de Cuba. Fala sobre os militares torturadores na ditadura. Sobre Fidel Castro, que matou milhares no paredão, silencia. Para ele o comunismo é a redenção da humanidade mas não enxerga, a rigor, que isso não existe em lugar nenhum do planeta. A China é o que é porque é comunista apenas administrativamente. Economicamente é um país capitalista.

Há uma questão que põe muitas dúvidas na cabeça das pessoas. Se o comunismo fosse implantado no Brasil, como estabelecer quem moraria em Copacabana, quem moraria em Nilópolis? Essa lebre foi levantada em 1959 por um professor na Escola de Aeronáutica. A turma respondeu quase em uníssono: em Nilópolis moraria o Lailo. É muita sacanagem...

Tamo si perdido


Sempre que vinha da Barra da Tijuca, principalmente à noite, perdia a entrada à esquerda para a Cidade de Deus e ia parar em Cascadura. Depois do quarto ou quinto erro acertei o caminho. Outro grande problema no trânsito era achar o caminho de Magno, ao lado de Madureira, para Rocha Miranda. Só encontrava ruas que eram contra-mão e ficava dando voltas e mais voltas. Numa dessas a filha mais nova (cinco anos) mandou: Tamo si perdido!

Ontem, durante o café, eu via na TV o missionário R.R. Baba-de-quiabo Soares. Ele explicava que os dedos indicadores na verdade se chamam desentope-ouvido, recomendando aos fiéis (são mesmo muito fiéis) que, conforme o ouvido com problema, colocassem em cima o dedo da mão esquerda, o da mão direita ou ambos os dedos, que ele faria uma oração, a ser repetida pelo gado.

Os ortorrinolaringologistas ficarão sem emprego. Todos os clientes dessa especialidade são dizimistas do R.R. Soares. Toda a igreja estava com os dedos nos ouvidos. Tenho a impressão de que esse curandeiro é na verdade um hipnotizador. Ele planta na platéia as doenças - dores de cabeça, caroços, dores nos rins, na bexiga, espinhela caída, etc - depois os cura. Cansei...

No próximo canal dei de cara com o apóstolo Valdemiro Santiago, que está em uma guerra santa com o bispo Macedo para se saber qual dos dois é o mais safado. Ele adota o estilo paizão. Abraça as senhoras chorosas, testemunhas de recente milagre, levando a baba de quiabo de sempre. Dizem que está podre de rico, dono de algumas fazendas onde o sol não se põe, tal o tamanho das mesmas, e tudo às custas do dinheirinho das ovelhinhas inocentes.

O que me preocupa em tudo isso, o resumo da ópera, é que toda essa gente que dá suporte a esses servos de Deus (ou do diabo?), não tem um mínimo grau de discernimento, de busca da verdade, de nada. Com a mesma facilidade com que dá crédito a um milagreiro da igreja, essa gente vai às urnas votar em políticos mais sujos que pau de galinheiro. São muitos os problemas da democracia, um deles é dizer que o voto de um cidadão que faz parte do gado tem o mesmo valor que o de um eleitor alfabetizado e não alienado. Tanto não tem o mesmo valor que os ladrões de sempre estão sendo eleitos ano após ano. E tem parlamentar que se jacta de estar no "trigésimo" mandato... 

É realmente preocupante. Será que realmente "tamo si perdido"? É o que parece.