O novo deputado federal Neca, eleito pelo PR-RJ e residente em Nilópolis, me pediu, num encontro casual que tivemos na rua, idéias que pudessem ser base para projetos que marcassem sua passagem pela Câmara Federal. E infelizmente aconteceu essa tragédia em Santa Maria, RS, um incêndio numa boate que vitimou, fatalmente, em torno de 250 pessoas.
Eu acho que um projeto, em âmbito nacional, que visasse à rigorosa fiscalização dessas verdadeiras churrasqueiras humanas já seria digno de atenção por parte de todos os políticos.
A seguir, escreve Haroldo Barboza:
Com o incêndio da boate Kiss em Santa Maria (RS) no início de 2013, voltou à tona o velho problema que aflige o aglomerado de construções edificadas sem planejamento de segurança nas grandes cidades. A preocupação dos construtores é aproveitar cada metro quadrado para mais um cômodo do condomínio ou mais espaço para clientes aglomerados em teatros, boates e shoppings, em detrimento de uma área de escape em caso de acidentes perigosos. Pouco se importam com a vida dos que frequentarão o futuro prédio. O desleixo da administração pública que concede "habite-se" sem maiores exigências (rotas de fuga apropriadas e desimpedidas) e altera gabaritos de alturas irresponsavelmente fica evidente a cada dia.
E o perigo potencial aumenta pela ganância dos proprietários que permitem que o local seja ocupado acima da capacidade prevista. Além de “depósitos” de material que obstruem as fugas e chegada aos equipamentos de segurança. Não há fiscalização e quando acontece, qualquer “galo” é suficiente para o “zeloso” fiscal abandonar o local.
A tragédia torna-se normal por nossa acomodação (não boicotamos tal prática) ao longo do tempo e num belo dia somos filmados e exibidos ao mundo, com nossos corajosos bombeiros numa luta desigual contra o fogo, sem equipamentos modernos, com mangueiras furadas, hidrantes entupidos e obstruídos por carros e outros obstáculos que triplicam o tempo de atuação dos valorosos soldados.
Ainda temos lembrança dos grandes incêndios no prédio da Eletrobras, Serrador e Andorinha no Rio e do Joelma em São Paulo. Na semana seguinte as “ortoridades” afirmam que rígidas normas serão adotadas e a fiscalização será aprimorada. Dois meses depois, com o Big Besta Brasil chegando ao final de sua edição, a população perde o interesse pela segurança (sua e de seus entes familiares) e o cenário para novas tragédias permanece intocável.
No final de 2001, acidentalmente participei de uma simulação de incêndio num dos prédios da empresa onde trabalhei por 31 anos. Apesar da estrutura de atuação anunciada e da dedicação dos monitores, percebemos algumas falhas que comprometem o processo. Falhas estas provavelmente decorrentes de um treinamento que não é o desejado, fruto de uma contenção de despesas inaceitável quando se trata de vidas humanas. Como a política atual é de reduzir custos nas empresas, a segurança é um dos itens iniciais a serem menosprezados, seguidos da limpeza e ambiente dos escritórios. Os intervalos de treinamentos aumentam, o número de participantes é reduzido a cada ano (com a saída de alguns funcionários, os que sobram precisam acumular mais atividades) e a manutenção dos equipamentos é feita sem muita exigência por firmas terceirizadas e em épocas bem distantes. Os instrutores passam a ser elementos também terceirizados que não sabem nem onde fica a válvula de descarga dos banheiros do prédio. Quanto mais a caixa das mangueiras do seu andar e as rotas de fuga.
Na verdade, a salvação de cada pessoa, vai depender em grande escala de seu próprio raciocínio (que na hora do pânico fica comprometido) e de sua calma no instante do sinistro. Sabemos que no momento de um incêndio em locais fechados, uma grande parcela de pessoas morre ou se machuca gravemente se atropelando pela ânsia de salvar a própria pele. E o atropelo aumenta por um erro grave de projeto nas construções dos altos prédios nas cidades. As escadas (o primeiro pensamento de fuga das vítimas) possuem a MESMA largura desde o primeiro até o último andar. Na verdade, elas deveriam vir se alargando do último andar para o térreo, de acordo com a capacidade projetada de pessoas que devem ocupar o prédio. Claro que com isto, os andares inferiores teriam menos salas ou lojas. Mas seria melhor esta perda de espaço do que se tornar candidato à manchete como os prédios Joelma, Serrador e Andorinha em passado recente. Paliativos como passarelas entre prédios vizinhos e escadas externas também poderiam minimizar algumas tragédias. Mas não investem nesta parceria nem fazem manutenção preventiva. Na hora do sinistro é que descobrem que uma porta está emperrada por falta de óleo na freqüência adequada ou que a placa indicando a saída correta foi coberta quando da pintura do corredor. Mais fácil culpar o inocente destino que não tem advogado para defendê-lo quando ocorre uma catástrofe com vítimas fatais.
Aliás, que providências visando a segurança foram adotadas pelas autoridades depois daqueles sinistros que chocaram a opinião pública? Basta que os jornalistas encontrem novos destaques (a violência humana está em alta no momento) para suas manchetes dinâmicas e as autoridades fingem esquecer os problemas potenciais. Certamente, as poucas medidas que foram implantadas já não são seguidas com muita rigidez no momento de se conceder o "habite-se" de prédios que não priorizam segurança máxima para a população dos mesmos. Ao circular por grandes prédios, confira se os extintores estão em dia, se a caixa de energia não está repleta de fios desencapados prontos para um curto, se as caixas de interruptores não estão acomodando fios mal enrolados, se a capacidade da mesma (com mais de 50 anos) é inadequada para os equipamentos modernos, se não há produtos inflamáveisarmazenados dentro dos compartimentos de gás e energia, se as placas apontando escadas estão visíveis, se existem móveis obstruindo a rota de fuga, se as lâmpadas de emergência estão prontas para funcionar, se as indicações sobre orientação de monitores estão sobre o botão do elevador e se materiais inflamáveis estão prontos para servir de combustível para o churrasco do seu corpo.
Você não vai perder mais de 5 minutos nesta prática semanal em prédios diferentes em qualquer região do país. Circule principalmente onde você mora e trabalha. A maioria das pessoas prefere ignorar estes riscos e penetram nestas armadilhas sem exigir que suas vidas sejam preservadas.
Quem vai impedir que um Sérgio Naia coloque em atividade seus prédios de baixa qualidade tão logo os elevadores estejam funcionando? O incêndio que destruiu 4 ou 6 apartamentos no luxuoso condomínio Novo Leblon na Barra em 2004, expõe uma realidade contundente não observada no momento em que se adquire o caro imóvel: não existe sistema de tratamento de esgoto. Os dejetos são lançados “in natura” na lagoa mais perto. O caro sistema de segurança não atinge a 70% de eficácia. Regularmente ocorrem assaltos nestes conglomerados de luxo. O sistema de combate ao fogo é tão frágil quanto os de prédio menos dotados. As bombas de pressurização não são testadas regularmente, mangueiras passam anos enroladas apodrecendo dentro de seus compartimentos nos belos corredores e as válvulas de comando do fluxo de água normalmente estão emperradas pela ferrugem acumulada pelos vários anos sem uso. E cada morador não tem “seu plano” de emergência para estas situações.
Passamos a vida imaginando que nas cidades podemos nos defender contra os perigos(?) que a Natureza nos reserva. Ledo engano. Nós criamos as maiores situações de risco por desconhecimento e desatenção. Nossas cidades estão repletas de monumentais churrasqueiras de concreto e vidro para fritar suculenta carne ... humana.