Lugar_RSI

AvatarLugar do Real, do Simbólico e do Imaginário
Aqui não se fala dos conceitos de Lacan e a palavra lugar deve ser pensada em sua definição matemática

Um professor de Português politicamente incorreto


Tive bons professores no curso ginasial. No ano da graça de 1953 era essa a nomenclatura. Eu era bom aluno e, no fim do ano, era dispensado, por alguns professores, de fazer a prova oral.

Else - esse era o nome da professora de Francês - perguntava meu nome e dizia: "Vai com Deus, meu filho". Também era assim com os professores de Português, Inglês, Latim e Desenho.

Eu era um dos três melhores alunos da turma mas o Arísio, professor de Matemática, não gostava nada de mim. No mês em que tive o primeiro lugar ele, na cara dura, deixou escapar entre dentes: "Não mereceu"! Dane-se! Tirei DEZ nas outras matérias...

"Seu" Paulo, o professor de Português, era uma figura. Aliás, ele ficava bravo quando o chamavam de "seu" Paulo. "Seu" Paulo é o quitandeiro, dizia. Eu sou o professor Paulo... Com ele aprendi a desenvolver o estilo de escrever que conservo até hoje. Nessa época, com 14 anos, lia muito, José de Alencar, Machado de Assis, Humberto de Campos e Eça de Queiroz.

O professor Paulo lia na classe principalmente trechos de José de Alencar. "Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira". Eu prestava atenção ao modo como ele fazia a leitura, as pausas nos pontos e nas vírgulas. E quando ele pedia alguma redação à turma eu procurava fazer colocando os pontos e as vírgulas à moda de José de Alencar, imaginando que ele fosse ler meu trabalho, o que, efetivamente, acontecia.

Paulo era um professor irreverente. Nos textos exemplos de suas aulas uma vítima era o aluno Benjamim. Ele dizia: "Eu, como o Benjamim, não faria isso". E perguntava à turma: "O que é esse "como"? E concluía: "Neste caso é verbo mesmo"...

Minha avó veio de Pernambuco para morar no Rio de Janeiro. Num 7 de Setembro ela manifestou seu desejo de assistir ao desfile militar, principalmente para ver o Getúlio. Ela queria ver o presidente Getúlio Vargas. Meu tio a levou, eu fui junto. Ao final do desfile passou o velho, acenando para a multidão, e minha avó não cabia em si de contente. Talvez pela minha avó eu, que tinha 13 anos e nenhum entendimento de política, passei a gostar de Vargas.

Entendi que o professor de Português era um admirador do jornalista Carlos Lacerda quando ele propôs à turma um dos seus exemplos politicamente incorretos: "Quando o presidente Getúlio Vargas se suicidou, dei uma cagada. O que é esse quando"?

Passados 57 anos da morte de Getúlio Vargas eu me lembro dessa pequena falha de caráter do professor de Português e já me decidi. Se o câncer que atormenta a laringe de um conhecido político lograr êxito prometo ser mais respeitoso.