Lugar_RSI

AvatarLugar do Real, do Simbólico e do Imaginário
Aqui não se fala dos conceitos de Lacan e a palavra lugar deve ser pensada em sua definição matemática

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Grades protetoras


Onde está o livro das crônicas de Haroldo Barboza? Pergunto porque sei que ele produz incessantemente, sobre vários assuntos, sobre cada matéria, quando sua função de observador crítico o pressiona por respostas elucidativas. Sim, porque ele não se compraz apenas em apontar as feridas da sociedade; suas possíveis soluções sempre são oferecidas.

Mas eu me surpreendi com a última produção do Haroldo; porque ele está invadindo a seara de grandes mestres, exercendo um ofício de futurologia. Eu conheço várias obras de Aldous Huxley, sendo Admirável Mundo Novo uma das mais importantes; de H. G. Wells conheço pouco, com destaque para A Guerra dos Mundos e A Máquina do Tempo; de Isaac Azimov nada li mas sei que é um grande escritor de ficção científica, sendo Nightfall uma de suas melhores histórias.

E agora o Haroldo nos leva até o planalto central, avançando meio século no tempo, nos abrindo uma perspectiva de progresso para nossos herdeiros. Ele não se ilude com soluções imediatas para a degradação moral que atravessamos em todos os níveis. E se a ciência não puder melhorar os administradores que temos, pelo menos proverá meios para poder lhes estabelecer limites apropriados. Vamos conhecer isso?


Haroldo P. Barboza

Afonso, 6 anos, curioso, puxou a mão do pai e lhe perguntou:
- Paiê! Todos estes prédios de Esquesópolis (lugar onde o Povo esquece tudo com facilidade) foram construídos no século XX?

- Sim, filhote. Em 2 meses vamos completar 98 anos da transferência da Capital para cá! Antes, a capital era lá no Sudeste. A mudança foi para alguns elementos ganharem dinheiro com a súbita valorização das terras do planalto central e para os “legisladores” ficarem longe das pressões dos habitantes lúcidos que combatiam a safadeza geral.

- Tem um bocado de coisa bonita por aqui, hein! Muito verde e pouca poluição. Se bem que a vovó me disse que nos primeiros 10 anos não tinha semáforos nas esquinas. Agora tem até favela em volta da capital.

- Estes pobres são herdeiros de uma geração de operários enganados que foram trazidos para construir as suntuosas edificações e depois foram largados à sorte e enxotados para as beiradas do perímetro central.

Os olhos espertos do garoto devoravam a paisagem com prazer. Os viadutos entrelaçados o deixavam maravilhado. Por ser Domingo, seu pai chegou a parar o carro em cima de um deles e colocou Afonso sentado no parapeito ainda não aquecido pelo Sol das 9 horas.

- Paiê! Por que aqueles 2 prédios parecendo duas metades de laranja com duas torres no meio estão cercados de grades? É para não entrar ladrões ali? Por que as grades são novas?

- Há 4 anos, o Povo estava cansado das trambicagens que a maioria dos Defuntados e Sentadores realizavam em benefício próprio, em detrimento dos serviços básicos. Então, um deles (distraidamente) enviou um projeto à Câmara, propondo que todo sujeito que fosse eleito, no dia da posse, receberia uma pulseira eletrônica contendo seu CPF e o código de sua conta bancária, bem como o valor máximo a ser depositado nela mensalmente, isto é, seu salário. Valores acima deste, só com alvará da Justiça. Com isto, ele pretendia provar que a partir daquela legislatura, os representantes do Povo deixariam de receber propinas por votarem leis em benefício de grandes grupos danosos à sociedade.

- Esta lei foi aceita, paiê?

- Acredite se quiser: foi! Creio que estavam bêbados no dia da votação dela, em função da seleção nacional ter vencido o campeonato mundial de “tiro ao pobre”.

- E se o Palerma elementar tivesse contas espalhadas por outros bancos?

- Esta pulseira estava conectada a todos os bancos via GPS. Pelo número de inscrição no Mistério da Fazendinha, cada vez que o incauto abria uma conta, ela era automaticamente cadastrada na memória da pulseira com bateria iônica que dura 8 anos.

- E se o pilantra perder a pulseira?

- Ela é chumbada no pulso do elemento. Só sai com maçarico a laser, que só existe na Suécia. A operação demora 45 minutos. Quando ele é usado, uma câmera de TV é acionada e todo o País assiste ao evento. Se ele perder o braço num acidente, chumbam outra em outro membro. E até no pescoço, se precisar. Se o “parasita” conseguir retirá-la sem a senha adequada, soa alarme na Fazendinha e ele passa a ser procurado como fugitivo da Lei.

- Parece que esta pulseira é esperta mesmo, paiê! E se entrar um valor alto na conta bancária do elemento dono da mesma?

- Soa um alarme na delegacia mais próxima e uma viatura recolhe o incauto numa cela para que ele aguarde o julgamento sumário feito por um júri popular, que efetua uma breve mas honesta investigação sobre o valor depositado. Sendo de origem suspeita, o agraciado tem este valor descontado em prol do S.A.C.E. e o culpado fica preso por 2 anos.

- O que é S.A.C.E.?

- Sociedade de Apoio Cultural ao Eleitor. O mais temido órgão por parte destes que não sabem honrar o mandato que o Povo lhes concedeu.

- Desde que este esquema foi implantado muitas pessoas foram presas?

- Você nem imagina! As delegacias ficaram saturadas, sem espaço para abrigar novos detentos. Por isto gradearam este complexo arquitetônico que você está vendo. Não foi para evitar a entrada de ladrões, mas sim, a saída! Já ficam presos aí mesmo!


Nossa sociedade é um colosso. Sobrevive no fundo do poço.
Referendo de sucesso será o que propuser expurgo no Congresso.
Haroldo P. Barboza - RJ/Vila Isabel
Matemática (infantil) / Informática (adulto)
Autor do livro: Brinque e cresça feliz.

Coisas da Mamãe

Você abre e-mails contendo PPS? E se o título do PPS for "Coisas da Mamãe"? Coisa piégas, não? Um debochado diria: coisa de viado.

Recebo dos amigos, nos e-mails, muita pornografia. E às vezes retribuo. Porém tenho notado que, à medida que o tempo passa, alguns estão virando padres - enviam santinhos, orações e algumas filosofias. Para esses cortei as piadas maledicentes, tenho receio de ofendê-los.

Toda sexta-feira viajo. Faço de carro, ida e volta, 300 quilômetros por estradas que apresentam alguma complicação em determinados trechos. Tenho visto graves acidentes. Hoje, por exemplo, havia um maluco que queria ultrapassar o carro atrás de mim pela direita. Fez umas dez investidas até que conseguiu. Ele estava procurando um acidente, certamente.

Minha mãe toda véspera de viagem me liga. É sempre a mesma coisa: "Deus te leve, Deus te traga, Vai com Jesus e Nossa Senhora". Houve um tempo em que eu ia à missa todo domingo. Depois o padre falou coisas com as quais eu passei a não concordar. Eu teria entre 12 e 15 anos quando me afastei da igreja. E hoje, com esses "bispos" da televisão, eu tenho um olhar ainda mais crítico em relação à religião.

Mas sinto que não serei um Bocage redivivo:

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!

Ontem abri um PPS do meu amigo Ivan Gonçalves. Foi ele que me apresentou a Carmen Monarcha, grande cantora lírica brasileira, desconhecida entre nós e que reside na Holanda. Muitos e-mails do Ivan se tornam posts do meu blog ou micro posts no Twitter.

Coisas de MAMÃE.pps

Conta-se que São Pedro, muito preocupado ao notar a presença de algumas almas que ele não se lembrava de tê-las deixado entrar no céu, começou a investigar e encontrou um lugar por onde elas entravam.

Dirigiu-se então até o Senhor e lhe disse: Senhor Jesus, observei que temos aqui algumas almas que não me lembro de ter-lhes aberto as portas para que passassem a desfrutar da felicidade eterna.
Fiz algumas investigações e achei um vão por onde elas entram. Queria que o Senhor mesmo visse...

Jesus aceitou acompanhá-lo e viu que desse vão descoberto se pendurava, vindo da Terra, um imenso cordão de pedrinhas, por onde constantemente subiam muitas almas.

Alarmado, disse São Pedro: Creio, Senhor, que devemos fechar essa entrada.

Não, não, respondeu-lhe Jesus, deixe assim... Essas são coisas de Mamãe...

Perceberam? Mesmo que eu não me converta na undécima hora espero que exista sempre um vão aberto para mim. Minha mãe tem cuidado disso.

Celular da felicidade

Você escreve bem, escreve bem mesmo? Então não custa nada fazer uma pesquisa na internet por CONCURSOS LITERÁRIOS. Eu escolhi três títulos que me pareceram interessantes: Concursos & Prêmios Literários, Guia de Concursos Literários e A Garganta da Serpente. Essas páginas, dentre inúmeras outras, divulgam os diversos concursos literários existentes.

Você leva fé no seu taco, digo, na sua pena, ou no seu mouse? A Academia Brasileira de Letras oferece uma premiação de R$ 30 mil para autor de livro inédito ou publicado depois de 10 de janeiro de 1999, sobre a vida ou a obra de Euclides da Cunha. Esse concurso faz parte das comemorações do centenário de nascimento do autor de Os Sertões.

Não é fácil, mas não se desespere. Há outros concursos mais "fáceis". Uns têm limitação de tema, outros têm limitação de idade, uns admitem todas as categorias literárias: romance, conto, poesia, crônica, etc, outros se restringem à poesia ou ao conto. O importante é participar.

Haroldo Barboza certamente conhece o caminho das pedras. Falo isso porque ele foi, virtualmente, ao Rio Grande do Sul e se inscreveu no 1o Concurso Literário Castro Alves, instituído pela Academia Rio-Grandina de Letras. E ficou com o terceiro lugar. Como diz o outro: eu queria ter um filho assim.

Celular da felicidade

Haroldo Barboza

Zanata, professor aposentado de Matemática, viúvo com mais de 94 anos e sem filhos, vivia sozinho no seu médio e confortável apartamento de último andar, à beira da praia. Sua aposentadoria lhe permitia pagar bem a uma empregada para efetuar a limpeza da casa, lavagem de roupa e preparação do almoço. À noite, tomava uma lata de cerveja com biscoitos amanteigados.

Tinha boa visão e todo dia fazia sua caminhada matinal ao longo da areia, o que lhe ajudava a não ultrapassar os 108 quilos. Era bem quisto por todos os vizinhos da região. Quando solicitado, ajudava aos estudantes atrapalhados com as frações e equações ameaçadoras. Nas épocas festivas, distribuía comida e brinquedos entre as crianças mais pobres do bairro. Nas festas natalinas, ele se fantasiava de Papai Noel há mais de 15 anos. Nas reuniões do condomínio, sempre opinava com equilíbrio e moderação. Participava de qualquer mutirão para obras de conservação do edifício ou do bairro. Os moradores do prédio admiravam sua disposição, em função das diversas doenças que lhe atormentavam desde os 60 anos : tuberculose, cirrose, artrite, úlcera, quatro ataques cardíacos, tendinite e rins. E mesmo assim, não dispensava fumar dois maços por dia, uma garrafa de conhaque por semana, feijoada, vatapá, maionese e comidas apimentadas. Sua esposa Dora falecera aos 75 anos, esbanjando saúde. E ele, aí estava, apesar de todo seu descuido.

No primeiro domingo de agosto, pela manhã (folga da empregada) nublada, ao sair para seu passeio matinal, abaixou-se para pegar o envelope azul sobre o tapete em frente à porta da cozinha (não usava a porta social, obstruída pela mesa que abrigava o micro e a impressora). Tinha seu nome e endereço. Não havia indicação do remetente. No seu interior, uma tira de papel com letras tipo courier new dizia :

"Querido Zanata : hoje você está recebendo o primeiro algarismo (2) do número de um telefone especial. Antes do início de outubro, você receberá os demais algarismos. Assim que receber o décimo, telefone. Temos uma ótima notícia para lhe dar."

Guardou a tira no bolso e desceu. Perguntou ao porteiro se ele havia colocado algum envelope sob sua porta. A resposta foi negativa. Imaginou tratar-se de alguma brincadeira de alguma adolescente que também gostava de Matemática e estava lhe preparando algum enigma. Esqueceu do assunto e foi ao passeio na beira da praia quase deserta.

E como anunciado no 1º bilhete, os demais foram chegando a cada semana. Os oito algarismos seguintes, foram: 9, 9, 4, 9, 2, 0, 2 e 4. Faltava um. No último domingo de setembro, acordou com o ruído das fortes trovoadas.
Levantou-se, fez sua higiene pessoal e abriu a porta sanfonada da varanda da sala. Como o envelope azul conseguiu chegar até a cadeira de balanço? Depois pensaria nisso. Desceu o toldo, pegou seu celular, sentou-se na cadeira e abriu o envelope, com o coração palpitando de curiosidade, sem se importar com os pingos da chuva que lhe atingiam devido ao vento. Leu o último bilhete da série:

"Querido Zanata : conforme combinado, aqui está o último algarismo (2) prometido. Agora, faça contato."

Assim que digitou o último algarismo do número 2-994-920-242, aguardou apenas um toque. Do outro lado, surgiu a voz inconfundível de Dora. Também lhe pareceu sentir o aroma de gardênia, que ela usava.

"- Querido Zazá: apesar do seu relaxamento com sua saúde, você foi preservado por ser útil à humanidade. Mas sua missão já foi cumprida. Este número que você acaba de discar, corresponde à quantidade de segundos de alta qualidade que você viveu nestes quase 95 anos! É a senha para chegar até onde estou. Venha, meu bem, pois há mais de 15 anos eu o espero para vivermos nossa felicidade eterna."

Um raio desceu pela antena do celular e Zanata morreu fulminado com um doce sorriso nos lábios.