O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Euclides da Cunha vê na mistura de raças um retrocesso; o mestiço - mulato, mameluco ou cafuzo - não tem a altitude intelectual dos ancestrais superiores. A diferença do sertanejo brasileiro é o seu isolamente no interior do país livrando-se de ser corrompido etnicamente com as aberrações e vícios dos meios mais adiantados.
Essa visão do sertanejo por parte de Euclides tem alguma coisa a ver com o caboclismo de José de Alencar, Gonçalves Dias e outros. Em sentido contrário veio Monteiro Lobato com seu Jeca Tatu, sinônimo de caipira, homem do interior. "Este funesto parasita da terra é o caboclo, espécie de homem baldio, semi-nômade, inadaptável à civilização..."
A polêmica é grande, os saudosistas ficam indignados. Mas Rui Barbosa também se refere a Jeca Tatu, "símbolo de preguiça e fatalismo, de sonolência e imprevisão, de esterilidade e tristeza, de subserviência e embotamento". Monteiro Lobato, na quarta edição do seu livro Urupês, se penitencia: "Eu ignorava que eras assim, meu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte".
"Um país com dois terços de seu povo ocupados em pôr ovos alheios".
Mas isso foi há algum tempo. A Saúde agora está "quase perfeita".
Semana passada, viajando, abandonei a estrada principal e fui por um caminho alternativo. Dei carona a duas mulheres, mãe e filha, a mãe, bem idosa. Já tinham caminhado 5 km desde sua casa e iam para Paty do Alferes, 15 km à frente. Iam a uma igreja católica em busca de uma bolsa de compras.
- Como vocês irão voltar? Aqui passa ônibus?, perguntei.
- Vamos voltar de carona. Não temos dinheiro para o ônibus.
Perguntei qual a plantação que tinham no sítio. Responderam que era uma horta. Fiquei imaginando o tipo de horta. Teriam feijão, milho, mamoeiros, bananeiras, aipim? Teriam algumas galinhas? Achei que não haveria nada disso e provavelmente as duas teriam complexo de Jeca Tatu, o indolente que fica pitando seu cigarro de palha à porta da maloca.
- E quando vocês têm problema de saúde?
Nesse caso iam a Andrade Pinto, um pequeno povoado distante 2 km, em sentido contrário. Mas no Posto de Saúde quase nunca haviam remédios para dar. Lá não se resolvia nem uma gripe, disseram.
Nesse dia eu estava meio pachorrento, pouco palrador, e nem me ocorreu perguntar em quais políticos votavam. Vocês sabem, esse pessoal sempre vota, por uma questão de gratidão. Perguntei também se não tinham o Bolsa-Família. Disseram-me que haviam pedido mas que o cartão ainda não tinha chegado. E eu fiquei pensando na propaganda do governo: "Brasil, um país de todos". Por certo não dessas duas brasileiras.
2 comments:
Nem elas, nem muitas outras que "tem a necessidade". Coloco entre aspas, porque, é mesmo isto. Familia que tem um lote de terra e passa dificuldades extremas, certamente também deve haver teia de aranha nas soleiras das portas!
Eu conheço Paty do Alferes! Muito bom o texto. bjs! Tati
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