Eu, como nordestino (falsificado) que sou, nunca me preocupei com o significado da expressão "cabra da peste". Sempre ouvi falar mas nunca achei que a pessoa denominada fosse boa ou má. Tudo indica que a associação com "peste" surgiu por causa da má fama da cabra, considerada um animal simpático ao diabo na tradição sertaneja. Vale lembrar que os nordestinos também usam a palavra "peste" para nomear doenças graves. Alguns especialistas defendem outra hipótese. A expressão seria uma variação de "cabra-de-peia", também usada para indicar a valentia do nordestino, que apanhava sem reclamar. "Depois de açoitada com a peia (chicote), a vítima era obrigada a beijar o açoite na mão do seu algoz", diz o etimologista Deonísio da Silva, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).
Há algum tempo escrevi um post chamado A Ciência do Palavrão, que focalizava o que é considerado palavrão no nordeste. Nunca elogie uma senhorita dizendo que ela é uma bela RAPARIGA. Chamá-la de puta lhe trará bem menos aborrecimentos.
Na semana passada um freguês (ele compra queijos na loja), daqueles que não têm pressa, levou um dedo de prosa comigo. E não sei por que motivo contou a seguinte história:
"Certo dia foi admitido na firma um marceneiro novo. Nos primeiros dias ele se mantinha arredio mas aos poucos foi se soltando. Disse-lhe que a turma gostava de uma brincadeira, de uma molecagem, que ele não estranhasse. Ele disse que também gostava de brincar, não tinha problemas.
Numa bela manhã, à guisa de cumprimento, falei: Como vai, 'cabra da peste'?
Senti que ele fechou as feições e nada respondeu. Mais tarde alguém me passou o recado de que o novo funcionário queria falar comigo. Ele estava no segundo pavimento. Subi as escadas e quando o divisei vi que estava com um braço às costas.
- Qual é a novidade?, perguntei.
Ele tinha na mão escondida um formão. Brandindo a ferramenta cravou-a na bancada dizendo:
- Você me chamou de cabra da peste, xingou a minha mãe e quem xinga minha mãe, morre!
Aproveitei que o formão ficou preso na bancada e desci apressadamente as escadas contando aos colegas o que havia acontecido".
Nesse momento eu interrompi:
- Cabra da peste não tem nenhuma relação com a mãe ou xingar a mãe. Esse cara era maluco.
O relato continua:
"No dia seguinte chegou a polícia na oficina procurando pelo novo empregado.
- Está lá em cima, falou o encarregado.
Mas lá de cima ele avistou os policiais. Juntou suas ferramentas rápido e nem as roupas levou. Escapou pelos fundos, por outra rua, vestido com o macacão de trabalho. Nunca mais se ouviu falar dele. Segundo os policiais, matou duas ou três pessoas lá na boa terra".
"Tudo está bem quando acaba bem", é uma peça de Shakespeare. Felizmente hoje tenho um bom freguês, também bom de papo, que me conta histórias do tipo, mas que ele passou um sufoco, isso passou. Por achar que estava agradando a um cabra da peste.