Lugar_RSI

AvatarLugar do Real, do Simbólico e do Imaginário
Aqui não se fala dos conceitos de Lacan e a palavra lugar deve ser pensada em sua definição matemática

A pimenta e a pera mel

As mini tangerinas que o Adauto chama jocosamente de pera mel

Um amigo me recrimina porque não me lembro de certos fatos da infância que ele rememora. Eu me lembro de coisas muito remotas da minha infância pacata. Esse amigo deve ser um paquiderme da era mesozóica.

Por exemplo, eu me lembro que, com dois anos de idade, viajava em um navio às escuras vindo de Pernambuco para o Rio de Janeiro, evitando os submarinos alemães que, em represália ao corte de relações do Brasil com os países do Eixo (Japão-Alemanha-Itália), passaram a torpedear navios na costa brasileira. Isso é o que dizem. Eu fico me perguntando se essa versão da história é verdadeira. Se você se interessa pelo assunto pode ler Submarinos alemães ou norte-americanos.

Aos 7, 15 e 21 anos estive visitando a minha cidade natal, Aos 7, de navio, aos 15, no caminhão de meu pai, aos 21 pegando carona em um avião da FAB. Por essa época eu já era meio-piloto. Eu explico: eu ostentava na minha farda um meio-brevet; quando me tornasse oficial, o que não aconteceu, eu receberia a outra metade da asa.
Evocar os fatos ocorridos aos 15 e 21 anos é coisa relativamente fácil; minhas lembranças vão bem além, bem antes dos 7 anos. Um tio da minha mãe possuía algumas terras plantadas com café, e em uma pequena propriedade ele beneficiava os grãos. Em um cômodo ficava uma pequena montanha formada com as cascas dos grãos onde a gurizada fazia gostosas brincadeiras escorregando pela "encosta". Fora, no quintal, haviam algumas plantas, dentre elas algumas pimenteiras que, com toda a certeza, eu nunca tinha visto; nem sabia o que era uma pimenta. Daí um safado dum moleque me disse que era uma fruta muito boa de se comer e eu mordi com vontade. Apesar disso não sou descrente da humanidade. Vez por outra até dou carona a desconhecidos, sempre analisando o local e as circunstâncias.

Ontem fui à magnífica propriedade do Adauto, onde compro a deliciosa cachaça de sua fabricação, a Rampini, em Paraíba do Sul. Descansando os olhos na beleza do seu sítio divisei uma árvore coalhada de pequenos e belos frutos alaranjados.
Como eu não conhecesse ele me disse tratar-se de pera mel. E ajuntou: não existe limão mais azedo do que essa danada dessa fruta. Ele me propôs experimentar. Era uma tangerina em miniatura e a comparação com limão era um pouco exagerada.

Há algum tempo eu até gostava de pimenta. Colocava algumas gotas na comida e até comia cebola e pimentão a mancheias. Já tive minha fase de frequentador do Oxalá, restaurante do Rio onde o vatapá, o carurú e o acarajé são as iguarias da casa. Dizem que acarajé de verdade só leva pimenta e camarão, o resto é "entupitivo". O vatapá também é bastante carregado na pimenta.

Quem tem problemas de hemorróidas desconjura a pimenta. Nesses casos é bem mais saudável degustar uma "pera mel".

4 comments:

29 de junho de 2008 às 19:56 Anônimo disse...

O termo “lembrar” me parece muito bem representado numa expressão costumeiramente usada naquele programa domingueiro do “ô-lôco-meu”. Trata-se de “passou um filme” (querendo dizer daquela lembrança que salta na forma de imagens sucessivas sem que a própria pessoa controle a situação). Acho que é assim, parecido com a... i-d-e-a-ç-ã-o... que um escritor consegue compartilhar com o leitor em um livro sem gravuras ou em texto que se assemelhe ao deste post aqui – no caso das lembranças, a “visibilidade” é quase a mesma, guardadas as proporções.
Eis um dos pontos que ficariam bastante expressivos para uma tela de pintura, ou mesmo para um desenho...
- Em um cômodo ficava uma pequena montanha formada com as cascas dos grãos onde a gurizada fazia gostosas brincadeiras escorregando pela "encosta".
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Esse amigo citado deve estar tendo lembranças das lembranças de sonhos noturnos (inconscientes), pois NÃO parece que o autor (Luiz) fique devendo em termos de recordações da época.
Da “pimenta” à “pera mel”... neste caso, o tempo abriu uma janelinha ou um portalzinho (sei lá). Para mim, isso foi mais do que lembrança: foi a mesma experiência reproduzida ou clonada em outro ponto dentro daquele “dueto” tempo-espaço. Digo assim porque acho que “eles dois” entoam uma canção, tendo como resultado a nossa vivência individual.
Afirmo assim porque os sabores dos dois frutos não tinham identificação do ponto de vista de um dos cinco sentidos, o paladar. A ligação afetiva com o lugar não existia como ponte entre as duas épocas. A simples ambientação rural não seria fator suficiente para criar um “déjà vu”. Resta, portanto, a capacidade da mente (alma?) de criar os links.
....................
Pousei. Um abraço.

30 de junho de 2008 às 13:34 Luiz Lailo disse...

Lerdo,
ainda bem que você pousou. Eu que já estava começando a "voar".

Eu agora mesmo devo postar sobre o vôo da minha primogênita em parapente neste fim de semana.
Meu pai era marceneiro e eu verifiquei que tenho serragem no sangue. Esse negócio de hereditariedade é soda.

30 de junho de 2008 às 17:27 Anônimo disse...

Luiz, eu também já passei por algo parecido, a questão foi ao contrário, e envolvia meu irmão mais novo. Procurei-o cheio de remorsos e pedi perdão por uma situação passada, e ele apenas disse-me:

- Eu nem me lembro disso, como é que vou perdoar. Se isso foi importante para voce pra mim não foi! Vai nessa maluco!

é mesmo assim, o que é marcante para um, pode ser insignificante para outros, ou marcante para muitos e insignificante para o restante... mas, isto não deve ser motivo de brigas!

1 de julho de 2008 às 19:44 meus instantes e momentos disse...

muito bom voltar sempre em seu blog. Bem escrito, inteligente, bem humorado. Eu gosto daqui

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