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Homenagem a Darcy Ribeiro

O discurso de Cristovam Buarque feito da tribuna do Senado e que resumi abaixo é um pouco longo para este blog. Recomendo sua leitura integral no blog do Cristovam. E segurem a emoção. Eu não consegui.

Homenagem a Darcy Ribeiro - discurso feito no dia 21/03/2007

Bom dia a cada uma das senhoras e a cada um dos senhores.
Cumprimento, pela praxe, o Presidente Renan Calheiros. Mas, antes mesmo de, pela praxe, saudar cada um dos membros da Mesa, não por falta de respeito, mas por uma questão de reconhecimento, quero citar uma pessoa que não está aqui porque nos deixou há três semanas: Tatiana Memória. Tatiana Memória acompanhou Darcy, e, depois que ele se foi, construiu a Fundação Darcy Ribeiro. Tatiana gostaria muito de estar aqui conosco. Mais do que qualquer um de nós, mereceria estar aqui conosco. E cito seu nome para que ela esteja presente. Creio que podemos dedicar a Tatiana Memória esta homenagem ao Darcy Ribeiro, porque ele ficaria muito feliz.
Cumprimento cada um dos Srs. Ministros, que honram a todos nós com sua presença, o Ministro Carlos Ribeiro, o Ministro Carlos Ayres Brito, o Ministro Gilmar Mendes, meu amigo Pertence, e, obviamente, ao meu chefe e patrão, Reitor da Universidade de Brasília, meus cumprimentos ao professor Timothy.
Há duas maneiras de fazer política: uma é pelo poder; a outra é pela história. Darcy fez política pela história. O poder era o meio, o meio que ele usava para deixar suas marcas na História deste País e do resto do mundo. Por isso, a homenagem a um homem como Darcy Ribeiro deve ser feita falando do seu legado para a História, porque ele deixou, sim, um legado para a História. E um legado amplo, que, como se pode ver, não está limitado apenas a uma ou a outra ação, a um ou a outro campo.
...............
Quero encerrar, fazendo uma pequena lembrança específica da partida dele. Talvez mais do que ninguém, Vera Brant, presente, tenha acompanhado tudo isso. Darcy Ribeiro, além de todas as outras vantagens, teve o mérito de ter lutado ferrenhamente para continuar vivo, chegando até a propor a sua querida amiga Vera Brant trocar com ele de lugar e ficar no hospital com câncer, para que ele pudesse viver, criando, produzindo.
Darcy Ribeiro lutou até o fim. Essa luta tem um dado que talvez poucos conheçam. Creio que tenha sido numa sexta-feira, eu telefonei ao Hospital Sarah Kubitschek, onde ele estava, e marcamos para conversar na segunda-feira, na casa dele, de tão otimista que ele estava. Naquele dia – quero encerrar, mencionando o lado do seu legado de que ainda não falei –, que creio foi uma sexta-feira, Darcy Ribeiro disse a uma grande profissional do Hospital Sarah Kubitschek, a Drª Lúcia, Lucinha, como ele a chamava: “Eu preciso desesperadamente dar uma aula, mas eu quero dar aula a uma criança, me arranja uma criança”. E a Lucinha, que não pôde vir hoje aqui, levou o filho Felipe, que tinha 10 anos, e Darcy Ribeiro deu uma aula de Antropologia para o menino. E, nessa aula – ela lembra e o menino nunca vai esquecer –, entre as coisas para mostrar o que é uma sociedade, ele mostrou porque é preciso fazer uma universidade e um sambódromo, porque um é a cultura da elite e o outro é a cultura do povo. E esse casamento, ele dizia a um menino de 10 anos, é aquilo que é preciso fazer no Brasil.
Ele terminou a aula, tomou banho, barbeou-se, como me disseram, colocou perfume – porque era vaidoso, como Vera deve saber –, deitou-se, entrou em coma e morreu poucas horas depois. O homem que fez tanta coisa morreu como professor, por opção dele. Morreu como professor de crianças, por opção dele. E o que parece um rebaixamento – professor de criança –, na verdade, é a elevação máxima que ele percebeu, certamente inconsciente, a elevação máxima de quem está na véspera de entrar para a História, porque ele foi um político da História, não do poder. Por isso estamos nos lembrando dele agora, porque a História é que mantém viva a memória de cada um de nós que faz política. O poder passa, o legado fica. Darcy deixou um legado. Por isso, nós o estamos, hoje, homenageando aqui. Daqui a dez anos, vamos estar comemorando os vinte anos; daqui a cem, certamente, poucos de nós aqui – se é que algum vai estar aqui, Presidente Renan –, prestando homenagem a este que, como V. Exª disse, ainda em vida foi um mito e, depois da morte, é um mito cada vez maior e mais oportuno.
Era isso o que tinha a dizer, Sr. Presidente, não como Senador, mas como discípulo, que aprendeu com ele que o Brasil pode ser visto de maneira diferente da que os estrangeiros nos ensinam, que o futuro do Brasil pode ser tentado, Presidente Collor, de maneira diferente do que é a tendência, Senador Dornelles. Ele ensinou. E a minha fala é para o meu professor.
Disse uma vez, quando colocamos o nome dele no campus da UnB, que, quando eu crescesse, queria ser Darcy Ribeiro. De lá para cá, eu cresci, e descobri que não vai dar tempo, mas que muitas crianças brasileiras, eu espero, consigam um dia, quando crescerem, ser Darcy Ribeiro.

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