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Aqui não se fala dos conceitos de Lacan e a palavra lugar deve ser pensada em sua definição matemática

Descobrindo a boa mesa

Filé a Oswaldo Aranha

Um dos grandes articuladores da Revolução de 1930, Oswaldo Aranha (que foi ministro da Fazenda, do Interior e da Justiça, embaixador do Brasil nos Estados Unidos, ministro das Relações Exteriores e chefe da delegação brasileira à primeira sessão especial da Assembléia Geral da ONU) não imaginava que criaria um dos pratos mais famosos da cidade. A invenção passou para a História - filé a Oswaldo Aranha. Toda semana, o grande político e estadista, amigo pessoal de Getúlio Vargas, almoçava no restaurante Cosmopolita, na Lapa, na época mais conhecido como Senadinho, porque era ponto de encontro de políticos. Ao chegar, pedia um filé alto com muito alho e, para acompanhar, arroz branco, farofa e batata portuguesa (a redondinha). "As pessoas começaram a ver o prato dele e pedir igual", conta um dos sócios da casa, Jorge Santino. "Acabamos incorporando a receita no cardápio e até hoje ela faz grande sucesso." Dali o filé a Oswaldo Aranha saiu para conquistar o Brasil.

Às vezes quando alguém é indagado sobre alguma questão pode até responder que não se lembra nem do que almoçou no dia anterior. Eu me lembro bem que na última quinta-feira peguei um camarão com duas doses da excelente cachaça Rampini, de Paraíba do Sul, Rio de Janeiro. Mas, em 1959?, 1960?, fica difícil lembrar. Por esses anos, já na Escola de Aeronáutica, fazia os exames periódicos de saúde no Ministério de Aeronáutica (ainda era no Rio?), perto do Aeroporto Santos Dumont e perto do Clube de Aeronáutica. Durante três dias nos examinavam da ponta dos fios de cabelo até a extremidade das unhas do dedão do pé. E em meio a essa maratona nos facultavam almoçar no Clube de Aeronáutica a preços módicos, facilidades para estudantes sem muitos recursos.

Tenho um amigo com quem frequentemente almoçava, isso há vinte anos mais ou menos. Além de pratos comerciais às vezes extrapolávamos e íamos ao Bar Brasil, ali nos Arcos, ou ao Oxalá, comida baiana, perto da Câmara. No Oxalá, quando eu ía com colegas eles é que pediam; eu pegava carona no pedido - carurú, vatapá e outras coisas deliciosas. Quando eu estava sòzinho me enrolava e pedia o trivial - carne de sol com macaxeira ou um feijão da roça. Ah, sim, e uma bagaceira, aquela do garrafão, para a cerveja descer bem redonda. No Bar Brasil eu quase sempre pedia Kassler (costela defumada) com lentilha. Na última vez que lá estive fui com meu amigo. Pedi a Kassler costumeira e ele, um peixe e perguntou ao garçon se o peixe estava legal.
- "Jóia! O peixe está jóia!", disse-lhe efusivamente o atendente. Eu já havia censurado essa atitude dele noutra ocasião:
- "O garçon sempre vai dizer que o prato está excelente. Ele é a última pessoa a ser perguntada a respeito. A não ser que você seja um freguês "da casa".
Dali a pouco voltou o garçon e falou: - "Mil perdões, mas hoje não teve peixe!"
E eu para o amigo: - "Viu?, seu babaca!".
Certa vez ele me havia confidenciado que não comia comida, comia preço. Era um homem metódico, de hábitos simples. Tradução: pão-duro.

No Clube de Aeronáutica, pela metade do preço, escolhi o que havia de melhor no cardápio. Teria sido o filé a Oswaldo Aranha? Às vezes tenho a impressão de que se tratava de um prato bem mais bonito, mais suntuoso; mas por falta de adereço ou de alegoria é que não deixarei de desenvolver este enredo. Digamos que tenha sido o prato do grande político brasileiro.

Alguns dias depois tive alguma coisa para resolver, talvez até mesmo no Instituto de Seleção e Controle da Aeronáutica e aproveitei para almoçar lá no Clube, aquele prato famoso. Na hora de pagar me disseram que a "promoção" de preços baixos para os cadetes foi apenas enquanto duraram os exames periódicos. Dei o que tinha no bolso e deixei nome e matrícula como garantia. Voltei na mesma semana para pagar o resto. E agora me lembro do meu amigo que comia preço. É uma ação que pode nos livrar de situações embaraçosas.

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