Lugar_RSI

AvatarLugar do Real, do Simbólico e do Imaginário
Aqui não se fala dos conceitos de Lacan e a palavra lugar deve ser pensada em sua definição matemática

Seu Lalo, 13/abril/2006

Cem anos de solidão (republicação)
Lembranças de Macondo

A primeira vez que passei em Cavarú pensei - Macondo é aqui. Macondo é o lugar fictício na Colômbia onde se desenvolve a narrativa de "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, lugar que, no meu entendimento, tem tudo de soturno e atrasado visto que logo no início do livro determinadas crianças viam o gelo pela primeira vez.

Cavarú é a estação de trem, desativada, mais três construções antigas e inúmeros sítios e fazendas no município de Paraíba do Sul. Das construções, pelo menos uma abriga um comércio onde se vende de tudo, coisas de necessidade imediata da população. É a minha impressão, nunca parei para ver. Antigamente era tudo poeira, estrada de terra. Há pouco tempo asfaltaram todo o percurso, construíram um play-ground multi-colorido e reformaram e pintaram os prédios. Ou seja, descaracterizam o ambiente. Ainda hoje o lugar é desolado. No máximo avisto duas ou três pessoas quando passo por lá.

Mas não estou escrevendo por causa de Cavarú e sim por Macondo. A casa da matriarca, na história, era parada de quantos passavam por ali, fossem parentes, amigos ou simplesmente caminhantes. Todos eram tratados como hóspedes e tinham comida farta. Até pernoitavam lá. Faz tempo que li o livro, portanto se alguma coisa não corresponder deve-se à minha memória.

Mas será mesmo por Macondo que estou escrevendo? Acho que não. Hoje tirei do fundo da gaveta a foto aí de cima. Sempre achei que a casa dos meus pais tinha alguma coisa de Macondo. Muita gente no fim de semana, parentes próximos e distantes, amigos e amigos dos amigos. A maioria ficava para almoçar, alguns para o lanche da tarde e uns poucos até jantavam. Algumas vezes a freqüência era pequena mas pelo menos havia número para jogar o bozó, como eles chamavam, meu pai e mais três. Era um jogo de tabuleiro, um tabuleiro grande que se apoiava nas pernas dos quatro jogadores. Cada um tinha uma pedra acionada por um dado que dava o número de casas que se podia avançar. O caminho era em forma de cruz, cada ponta da cruz tendo um jogador por dono. Quando a pedra percorria toda a cruz entrava reto em frente ao jogador até o centro da cruz. Então se conhecia o vencedor.
A turma do jogo de víspora também era numerosa. Muito riso, muita animação, muita gritaria, jogo baratinho, perdas e lucros irrisórios, qualquer criança podia participar.
A foto mostra um dia concorrido. Tudo conterrâneo de Bom Conselho de Papacaça, Pernambuco. À esquerda um canavial plantado numa área de 10 por 15 metros. Ao fundo um pé de carambola e à direita cinco abacateiros.

Meu pai era caminhoneiro. Aí está a máquina. Ano? Talvez 1956. Todos estavam felizes. Porém minha mãe reclamava, por dois motivos: sua quota de trabalho era triplicada, quadruplicada e toda essa farra era financiada pelo meu pai, que não fazia caso, que tinha até muita satisfação em ser visto como patriarca e ser referenciado lá em Bom Conselho como bem sucedido no Rio de Janeiro.

Muitos dos que frequentavam nossa casa já receberam o último chamado. Os que continuam vivos parecem não se interessar em saber se estamos vivos. Acho normal. Não deixa de existir uma ingratidão, mas acho normal. As pessoas mudam de interesses, mudam de amizades, se é que se possa aí falar em amizade. Eu mesmo interrompi diversos relacionamentos de amizade sem parar para pensar que alguém ficaria feliz de me ver de novo. Tudo acaba. O ciclo em Macondo acabou. Essa história de cinco gerações chegou ao fim. Porém lá em casa nunca houve solidão.

4 comments:

15 de agosto de 2008 às 16:35 Cecilia Alfaya disse...

Oii! Obrigado pela visita e comentário, tb já te linkei no e-promoter!!!

15 de agosto de 2008 às 17:19 Anônimo disse...

Toda e qualquer semelhança com o Lugar do Real, do Simbólico e do Imaginário... explicada fica.
...............
..............
M_aravilhosa
A_colhedora
C_asa,
O_nde
N_inguém
D_estilava
O_stentação.

16 de agosto de 2008 às 13:08 Anônimo disse...

livro e autor que não canso de ler, acho que me identifico com a triste história dos buendia, solitários que não terão uma segunda oportunidade sobre a terra.

3 de junho de 2010 às 20:56 Anônimo disse...

eu queria ser o Cel. Aureliano Buendía.
concordo que na velhice a solidão é um prazer.

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